O Aprendiz

Sobre a Persistência na Escuridão

Episode Summary

No episódio de hoje, mergulhamos na fascinante história de Vincent Van Gogh, um dos artistas mais icônicos da história da arte. Ao longo da jornada, exploramos como sua paixão autotélica pela pintura o impulsionou a superar desafios e a produzir uma obra incrível, mesmo diante da falta de reconhecimento e sucesso comercial.

Episode Notes

No episódio de hoje, mergulhamos na fascinante história de Vincent Van Gogh, um dos artistas mais icônicos da história da arte. Ao longo da jornada, exploramos como sua paixão autotélica pela pintura o impulsionou a superar desafios e a produzir uma obra incrível, mesmo diante da falta de reconhecimento e sucesso comercial.

Começamos conhecendo o início tardio de Van Gogh na arte e suas tentativas frustradas em outras carreiras. Através de suas cartas para o irmão Theo, descobrimos o impacto financeiro e emocional de sua busca artística e como sua dedicação ao trabalho era intensa e incansável.

Abordamos a importância do equilíbrio entre a paixão criativa e o cuidado com a saúde mental, destacando que Van Gogh, apesar de sua produtividade, enfrentou dificuldades emocionais que o atormentaram.

Exploramos o conceito de autotelismo, a ideia de que a verdadeira recompensa está no próprio ato de criar, independentemente do sucesso externo. Van Gogh personificou essa filosofia, pois, mesmo pintando para uma audiência de apenas uma pessoa - seu irmão - ele continuou a produzir com intensidade e devoção.

Refletimos sobre a lição que a história de Van Gogh nos ensina, questionando se devemos buscar um equilíbrio entre a paixão pela arte e a atenção à nossa saúde física e emocional. Abraçamos o autotelismo como uma fonte de inspiração para encontrar significado e realização em nosso próprio caminho criativo.

No final, descobrimos que a arte de Van Gogh não só é um legado de beleza e talento, mas também um convite para nos questionarmos sobre nossas prioridades e nossa busca por sucesso e reconhecimento. Enquanto celebramos sua dedicação, também aprendemos com as dificuldades que ele enfrentou, encontrando uma mensagem de esperança e sabedoria em sua história.

 

Links citados no episódio:

  1.  Carta de número 660 de Van Gogh para seu irmão Theo
  2.  Flow (Edição revista e atualizada): A psicologia do alto desempenho e da felicidade 

Episode Transcription

Às vezes, apesar de todo nosso esforço, parece que o sucesso é algo que acontece apenas com as outras pessoas... não importa se eles merecem ou não. Poucos de nós admitimos, mas sentimos inveja, ou pelo menos um certo sentimento de injustiça, uma ânsia em sermos notados. 

Afinal de contas, quem gostaria de pintar no escuro, sem platéia ?

Você já fez algo muito bom e ninguém pareceu se importar? Precisamos falar disso - porque afeta quase todos nós - e tem encerrado incontáveis carreiras antes mesmo de elas começarem.

Vamos pegar de exemplo um dos artistas menos bem sucedidos de todos os tempos. Em uma pequena cidade no sul da França, ele vive e trabalha na escuridão. Onde, depois de um longo dia de trabalho sozinho, caminha de volta para casa. Os moradores até mesmo atravessam a rua para evitá-lo. Ele vive sozinho em uma pequena casa na periferia da cidade. Em um pequeno quarto que ele mal consegue pagar.  Um artista que em 9 anos de carreira, não vendeu sequer uma única pintura. Sei que parece um exemplo clichê clássico de um artista lutando, se mantendo firme e acreditando nos seus sonhos. Mas existe um mistério sobre Vincent Van Gogh. Por que ele está pintando por quase uma década, sem nenhuma audiência. E isso é incrível... Porque eu vou te dizer o seguinte, ao longo desses nove anos, ele teve muitas chances de desistir de tudo.

Uma das primeiras coisas que você tem que saber sobre Vincent Van Gogh é que ele começou bem tarde: ele tinha 27 anos quando começou a desenhar a sério, quando foi expulso de casa após uma série de tentativas frustradas de carreira como comerciante de arte, professor, atendente de livraria, missionário etc. E aqui entre nós, suas primeiras tentativas não foram tão encorajadoras. Seu único apoio veio de seu irmão mais novo, Theo - e sabemos muito sobre a vida de Vincent graças às centenas de cartas que eles escreveram um ao outro.

Em 1881, Vincent encontra um mentor em Haia, uma cidade holandesa, que o introduz a tintas a óleo, mas a esperança aqui não durou muito. Seu mentor não se impressiona com seu trabalho e o expulsa. Agora, o dinheiro está se tornando um grande problema. Theo estava enviando 100 francos por mês, mas quase não cobria o custo de suas pinturas. Para economizar um pouco, ele pintava quadros novos sob quadros antigos dele mesmo, no lugar de comprar novas telas. E por gastar praticamente todo o dinheiro com materiais, sua alimentação e saúde foram os primeiros a sofrer. Muitas de suas cartas falam somente do quão faminto ele está.

Um ano se passa e com a ajuda de um aparelho de perspectiva, seus quadros estão definitivamente melhorando. Mas, em seguida, o dinheiro acaba novamente... e agora com 30 anos de idade, Vincent é forçado a voltar a morar com seus pais, que a propósito, acham que ele está desperdiçando sua vida.

Ele vinha fazendo isso há 3 anos, sem sucesso, e a pressão para desistir de tudo estava crescendo. Mas em vez disso, ele agora está trabalhando duas vezes mais duro, intensivamente, tentando aprender a pintar rostos, praticando incansavelmente por conta própria. Eu não sei, talvez fosse a ambição que estivesse o impulsionando, pois nós sabemos por suas cartas que ele sonhou em produzir algo para coincidir com os seus ídolos, os renomados Eugene Delacroix e Jules Breton. 

Outro longo e difícil inverno vem e Vincent continua dando duro no trabalho, preparando sua obra mais ambiciosa até então: "Os comedores de batata", um quadro sombrio e escuro, retratando camponeses durante uma refeição noturna. Quando finalmente enviou a seu irmão para ver o que ele achava, recebeu um "hummm, ok". E foi isso.

Agora, apenas para fazer um balanço aqui, com a idade de 31 anos, Vincent ainda vivia na pobreza, seus dentes estavam caindo por causa da má alimentação. Os poucos bens que ele tinha precisavam urgentemente de melhorias, como uma velha bota furada que era sua fiel parceira. E ele estava começando a enfrentar novos tormentos.

E o impressionante aqui é que durante tudo isso, ele continua pintando para uma platéia de apenas um: seu irmão.

Independente do que você faça, imagine o resultado do seu trabalho duro sempre ser visto apenas por uma única pessoa, e depois esquecido. Quer dizer, você continuaria?

e isso é o que é tão incrível sobre esse cara, não só ele continua, mas continua com tudo, em produtividade máxima. Em um curto período de tempo, dos 27 aos 37 anos, ele produziu mais de 900 pinturas a óleo e vários outros esboços, o que dá em um trabalho artístico novo a cada 36 horas. 

Ok, é hora de introduzir uma palavra que talvez você nunca ouviu falar antes. em 1990 um psicólogo hungaro, cujo nome não ousarei pronunciar (Mihaly Csikszentmihalyi) - publicou um livro inovador: "Flow: a psicologia da felicidade (título no brasil)". Escondido dentro deste livro está a palavra "Autotélico". É uma combinação de duas palavras gregas, AUTO significando EU, e TÊ LOS significando OBJETIVO. Como o professor explica: 

"Trata-se de uma atividade auto-suficiente, que não é feita com expectativa de um benefício futuro, mas simplesmente porque o próprio ato de fazê-la é a recompensa."

"Quando a experiência é autotélica, a pessoa está prestando atenção à atividade em si, quando não é, sua atenção é focada em suas consequências."

Agora, Vincent provavelmente nunca tinha ouvido a palavra "autotélico". Mas é bastante óbvio que ele viveu e trabalhou com essa ideia. Arte pela arte.

Em 1886 depois de chegar em Paris, Vincent descobre; cores;

Suas cartas a Théo se enchem de notas detalhadas sobre a teoria da cor. Matizes, tons, sombras, luzes etc.

Claro que Vincent nunca desistiu, ele estava se divertindo muito! Sim, sua vida era difícil - mas ele está fazendo algo que achava fascinante.

1890. O longo e constante foco de Vincent na técnica, finalmente compensa. Em Fevereiro desse mesmo ano, ele recebeu uma carta de seu irmão com uma boa notícia... depois de 10 longos anos ele vendeu uma pintura sua!

Agora, você pensa, bom, deve ter acontecido alguma celebração justificada aqui, certo ? Mas não. O que Vincent faz a seguir é tão humilde quanto notável: ele volta a trabalhar.

E em uma carta para Theo, ele coloca dessa forma: "Você sabia que no Brasil, há vagalumes que são tão luminosos que à noite, senhoras os colocam em seus cabelos com alfinetes... é muito bom, a fama, mas veja... é para o artista o que os alfinetes são para esses insetos. Você deseja ter sucesso e brilhar. Você realmente sabe o que quer?"

[carta original: https://www.vangoghletters.org/vg/letters/let660/letter.html#translation]

Agora é importante que nós não romantizemos todas as dificuldades que Van Gogh enfrentou. Elas eram reais e em seus últimos anos, suas batalhas internas se tornaram mais violentas e devastadoras. Mas, mesmo os extremos de lutas de Vincent eram toleráveis para ele, porque ele amava o que fazia.

busque por eles e você vai encontrar, artistas auto télicos em todos os lugares. pessoas que sabem que não cabe a eles decidir se seu próximo trabalho vai ser popular ou bem sucedido. Pessoas que fazem seu trabalho por diversão, por amor, sem grandes pretensões. E sabe o que é engraçado, é que essas pessoas geralmente são as que obtêm sucesso. 

Você não pode controlar os resultados EXTERNOS, então por que pensar sobre eles? Nós criamos um mundo onde resultados externos são mais valorizados do que qualquer coisa, vale mais quem tem mais... tem likes, têm visualizações, tem dinheiro, tem corpos perfeitos resumindo quem tem popularidade. Em um mundo obcecado com isso, vamos fazer nosso trabalho independente das consequências? Vamos fazer nosso melhor, mesmo que ninguém esteja olhando ?

Meu nome é Samuel Marques, e você ouviu mais um aprendizado da minha semana, aqui, no podcast O Aprendiz, onde cada aprendizado vira um episódio. Peço que se gostou,  se aprendeu algo novo, compartilhe com alguém. É isso, obrigado e até a próxima!


Edit:

Opa, depois que terminei de editar esse podcast, resolvi adicionar alguns comentários, porém não queria adicionar no meio do podcast para não perder a imersão que tentei dar ao episódio, então vou falar aqui mesmo.

O primeiro ponto, é sobre a carta de Van Gogh citada no episódio. Ela foi uma tradução literal tá? Mas gostaria de dar um pouco mais de explicação em como o trecho serviu de ideia para esse episódio. Então, vou trazer minha interpretação da mesma. Vincent van Gogh acha que a fama é uma armadilha para os artistas. Ele acredita que uma vez que um artista alcança a fama, eles não são mais livres para criar uma arte na qual realmente acreditam. Em vez disso, eles são forçados a criar uma arte que agrade ao público, o que muitas vezes significa criar uma arte menos original e menos desafiadora. Seu objetivo não é ser famoso, ele quer apenas fazer o que gosta e acredita, e quem sabe nesse processo ficar cada vez melhor nisso, tentando talvez se aproximar de pintores que ele considerava referência. Nessa mesma carta ele fala em como quer viver uma vida simples, mais ou menos como monges e eremitas, tendo o trabalho como paixão dominante, renunciando ao bem-estar. Criando uma arte na qual ele realmente acredita, mesmo que isso significasse que ele nunca seria famoso.

O segundo ponto, é que por mais que a história dele pareça inspiradora, perceba que eu mencionei que ele era bem atormentado e que ao longo do tempo isso só foi piorando. Tanto que a um causo na vida dele, onde ele corta parte da própria orelha esquerda com uma navalha, depois de ficar furioso em uma discussão que ele teve com outro pintor em 1888. Inclusive depois disso ele foi diagnosticado com esquizofrenia e foi internado em um asílo. Ele morreu dois anos depois, em 29 de julho de 1890, aos 37 anos. Ele foi encontrado baleado na cabeça em um campo atrás do próprio asilo. A causa da morte de van Gogh ainda é um mistério, alguns acham que ele cometeu suicídio, enquanto outros acreditam que ele foi baleado acidentalmente. 

Aqui ressalto mais uma vez um pensamento estóico sobre a importância da busca pelo equilíbrio na vida.  Perceba como até mesmo o excesso em algo que ele amava fazer trouxe consequências que somadas a suas dificuldades emocionais e psicológicas trouxeram um final trágico para ele.

Então, resumindo: A busca incessante pela paixão criativa não deve nos cegar para os aspectos fundamentais da vida, como cuidar de nossa saúde física e mental, nutrir relacionamentos significativos e tentar equilibrar as várias dimensões de nossa existência.